AINDA O DEEP BLUE

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Agora, que os ânimos estão mais serenados e que a poeira do terremoto enxadrístico mundial já baixou um pouco, permitindo portanto uma visão mais clara e isenta, vamos procurar analisar o significado da derrota do enxadrista Kasparov para o computador da IBM, o “Deep Blue”.

O próprio Kasparov encarava o match como um confronto entre a humanidade e o computador, algo como uma queda de braço entre a criatura e o criador. Tanto assim, que ficou até indignado quando deparou com uma bandeira russa do seu lado do tabuleiro e uma dos Estados Unidos do lado oposto.

A maior parte dos simpatizantes, aficcionados e analistas do xadrez também vislumbrou o embate sob esse prisma maniqueísta, de onde não poderia haver dúvidas sobre quem sairia vencedor. Por isso, a realidade da derrota foi especialmente dolorosa para muitos deles. Por toda a parte, pasmo e perplexidade: “A máquina venceu o ser humano!” “O computador vai dominar o mundo!” “A humanidade foi derrotada!”

Se um computador venceu o melhor enxadrista do mundo, então podemos afirmar com segurança que a máquina pode, de fato, jogar xadrez melhor que o mais experiente ser humano. Mais ainda, que a máquina pode ter mais inteligência que o ser humano, pelo menos mais inteligência para jogar xadrez. Dessa constatação advém o inconformismo e a indignação de tantos. Isso, porém, demonstra duas coisas:

O computador venceu numa prova que exigia apenas raciocínio, nada a requisitar do espírito, daquilo que faz de um ser humano realmente um ser humano. O Deep Blue não tem capacidade de intuir o certo e o errado. Não tem livre-arbítrio. É incapaz de amar. Não traz dentro de si o impulso irrefreável de saber quem ele é, o que faz na Terra e quem o criou… É um objeto morto, que na observação bem-humorada de um repórter, não foi sequer capaz de comemorar a sua vitória.

Mas os seres humanos, que há muito soterraram seu espírito vivo, bem como a sua voz — a intuição, sob os desmandos de um intelecto cada vez mais tirano, acreditam realmente que a humanidade foi derrotada pela máquina.

E, no entanto, quem derrotou a humanidade intelectualizada de hoje foi ela própria, e isso num processo que vem já de milênios, quando passou a considerar o seu raciocínio, um mero instrumento de utilização terrena do espírito, como o seu bem mais valioso e importante. Mais valioso até que o próprio espírito.

Pode-se dizer que a maior parte da humanidade cometeu um longo suicídio espiritual, rebaixando-se paulatinamente, por vontade própria, até atingir este estágio atual que pouco a diferencia dos animais, só percebendo à sua volta o meramente terrenal.

O Deep Blue demonstrou à maior parte dos seres humanos hodiernos, escravos de seu intelecto, o triste e insignificante papel que atualmente desempenham no conjunto da obra da Criação. Seres repletos de arrogância intelectual, e todavia tão pobres de espírito, capazes de ficarem abalados com uma derrota numa prova que não exigia nada além de técnica, a qual nunca teve nem jamais trará vida em si.

Roberto C. P. Junior